Tacet, disco de 1971, é uma pérola na obscuridade, um dos mais surreais e originais discos de jazz do século XX. A base assenta nos alicerces usuais do género: bateria, trompete, saxofone e contrabaixo. Mas a intrusão poderosíssima da electrónica primitiva e a utilização da voz (neste caso a da senhora Françoise Achard) como uma interjeição instrumental a juntar às demais, colocam Tacet num plano mais elevado. No plano da música incatalogável.
Será jazz o que se ouve em Maochat? Será música clássica contemporânea o que se ouve em Ça va Lecomte? É tudo isto e ao mesmo tempo não é nada. O jazz empalidece até à transfiguração gerada pelas máquinas, a atonal estrutura das composições é mantida em lume brando por sopros esqueléticos de trompete ou cambaleantes swings de contrabaixo. Na Itália, os Dedalus esculpiam pedra similar. Tal como a electrónica abstracta dos alemães Kluster, que aqui parece encontrar uma alma gémea. Permitimos a entrada a Interminable Hommage a Zaza e a voz que nos sopra aos ouvidos parece tão inumana (em linguagem sensitiva e não no sentido filosófico de Lyotard) como a bizarra e estilhaçada instrumentação parece lisérgica. O melhor é deixado para o fim. Gaub 71 resume exemplarmente a trip à qual acedemos e da qual é difícil despertar. Nebuloso e centrífugo, leva o jazz (se é que se pode chamar a isto jazz) a mares nunca dantes navegados.
Depois desta experiência extrema, Jean Guérin nunca mais voltou. Tacet foi a banda-sonora de um esquecido fime de autor (Bof, de Claude Faraldo), mas o seu arrojo e ambição artística mantém-no até à data como banda-sonora para a mente. Um dos discos mais estranhos, vanguardistas e imprevisíveis que ouvi até hoje, em qualquer estilo. Continua a ser fundamental para o entendimento de como as linguagens electrónicas mudaram o rumo da música do século XX, radicalizando até o que parecia imutável. Uma lição e uma cartilha para os experimentalistas da actualidade.