É, muito possivelmente, o primeiro artefacto gravado do movimento que originou o krautrock e a electrónica progressiva alemã. Mas não é bonito e não é para todos. Live at the Zodiak - Berlin 1968 é um raríssimo registo ao vivo de um grupo que nunca existiu. Um colectivo denominado Human Being, que contava, nas suas fileiras, com Hans-Joachim Roedelius, futuro fundador dos míticos Kluster / Cluster. O restante núcleo duro era formado por não-músicos, renegados vestidos de negro que pareciam vir martirizar a cultura hippie no culminar do seu florescimento. O evento antecedeu a estreia dos Can e dos Tangerine Dream e a sua (re)descoberta é de incalculável valor para os krautodependentes.
A música que se ouve neste registo recuperado 40 anos após a sua confrontação é uma amálgama de sons rarefeitos e sombrios. Não existem traços de melodia, nem sequer um ritmo que embale esta inóspita travessia, sobre pavimento acidentado, debaixo de um carregado céu cinzento. São 56 minutos de arame farpado sonoro e ruído lamacento, de contornos industriais. Um espermatozóide de música concreta a fecundar um óvulo de electrónica abstracta. Algo parecido com as (poucas) futuras obras dos Kluster, mas ainda mais alieníngena, alienante. A banda-sonora póstuma da Alemanha devastada. Um postal da Berlim mergulhada nas trevas do trauma bélico. Mas o que se ouve aqui não é nostálgico em absoluto. Será, quanto muito, um grito de revolta emudecido, uma ponte que se atravessa em noite de nevoeiro cerrado para nunca mais voltar à margem errada da História.
Quem assistiu a este concerto no Zodiak Free Arts Lab, na ressaca de celebrações flower power como Monterey, não o deve ter esquecido tão cedo. Isto era de outro mundo. Algumas mentes devem ter mudado radicalmente naquela noite. Outras devem ter sucumbido a pesadelos. Todas devem ter sentido o que a capa do disco projecta.