26 de dezembro de 2015

Compêndio Krautrock




Future Days, subtitulado Krautrock and the Building of Modern Germany, será, muito provavelmente, a obra mais definitiva lavrada até à data no que toca à revolução rock alemã. Exaustivo, revelador e continuamente interessante, o livro do jornalista britânico David Stubbs constitui um misto de trabalho arqueológico e paixão devota pela arte que narra.
Ao longo de quase 500 páginas, Stubbs dedica-se, sobretudo e sensatamente, aos nomes mais marcantes e seminais da vanguarda musical germânica de finais dos anos 60 e inícios dos anos 70 do século passado. Future Days acaba por ser, assim, uma obra direccionada a neófitos nesta matéria, não obstante conter episódios obscuros e sumarentos que farão as delícias dos maiores aficionados do género e que a tornam uma preciosidade incontornável.
A obra principia com uma epifania: um evento artístico e comunal, em que música, filmes e ativismo colidem e se sobrepõem, e no qual um espírito de renascimento parece brotar de cada gesto e de cada nota. Tal evento decorreu na cidade rural de Unna, oeste da Alemanha, em 1970. Stubbs relata a sua visualização de um documento de 3 horas, de acesso restrito, granjeado pela cadeia televisiva WDR. Nothing better happened in the world that night, escreve o autor, e acreditamos ele. O resto dos comuns mortais, por ora, apenas pode ter ideia do que aconteceu através de pequenos vislumbres como este:

                             

Desta epifania fazem parte os Kraftwerk (aqui na sua fase embrionária e irreconhecível perante a estética futura) e os Can (aos quais Stubbs - pertinentemente - rouba a canção que dá título ao livro). Ambos são devidamente escrutinados e homenageados com lucidez apaixonada. A eles juntam-se exercícios sempre elucidativos e fascinantes, quer do ponto de vista artístico, quer do contexto sócio-cultural de onde surgiram e se implementaram. Neu!, Tangerine Dream, Faust e outros nomes maiores do krautrock (esse epíteto que continua a predominar para revelar a estranheza e a ausência de rotulagem para a música sem convenções) dominam o grosso da obra. Porém, movimentos paralelos como a alucinose espacial dos projectos conjurados pelos Cosmic Couriers, bem como bandas menos divulgadas, como os Embryo ou os Kraan, marcam igualmente presença e reforçam o carácter enciclopédico de Future Days.
A terminar, capítulos dedicados à Neue Deutsche Welle (o equivalente alemão ao pós-punk) e reflexões sobre o presente e o futuro da música, não deixam cair o pano sobre a arte descrita nas páginas precedentes. Assumem a sua herança e a forma como um punhado de grupos alemães - saudavelmente insurrectos contra a herança cultural e os costumes vigentes na sua época - mudou e imprimiu um cunho indelével na criação musical do século XX.
Future Days acaba, igualmente, por ser uma obra que documenta a reinvenção de uma nação. Através de uma geração que renega o passado ao mesmo tempo que deseja manter a sua individualidade. A música acabou por ser apenas uma parte do curso da história. Mas não mudou somente uma nação. Mudou o mundo.