Die Grüne Reise ou The Green Journey foi o primeiro álbum produzido pelo guitarrista Achim Reichel após o abandono dos popularíssimos (pelo menos na República Federal Alemã) The Rattles. Esta banda chegou a ganhar o epíteto de Beatles germânicos devido às similaridades como os Fab Four de Liverpool, mas sempre mais no estilo que na substância. O agrupamento que Reichel reuniu para iniciar a sua nova trajectória musical não reteve, certamente, tais paralelismos, a não ser, talvez, uma saudável obsessão por Tomorrow Never Knows ou Revolution nº 9. Denominados A.R. & Machines, constituem um dos colectivos mais originais, inovadores e interessantes das franjas do rock teutónico mais arrojado.
Die Grüne Reise foi primariamente idealizado como uma banda-sonora para um filme imaginário e parece ter o poder de penetrar em todos os neurónios do ouvinte em simultâneo. Ataca em todas as frentes como onda que desfaz castelos de areia, não deixando destroços à sua passagem, mas sim novas geometrias mentais. Flui em registo contínuo, sem pausas, num caudal sonoro que aumenta e diminui de intensidade, sem nunca perder a sua essência pulsante e encantatória.
A sonoridade de Die Grüne Reise assenta num cocktail de rock enraizado nos blues e uma carga psicadélica capaz de implodir qualquer cérebro mais incauto. É, em suma, um disco sensitivo e policromático, que nos envolve mental e fisicamente. A abertura com Globus (Globe) dá-se num crescendo rítmico repetitivo e guitarras espiraladas que culminam em espasmos psicadélicos, tudo no espaço de três minutos, e que desembocam no hard rock insinuante e alucinogéneo de In the Same Boat (Im Selben Boot). Schones Babylon (Beautiful Babylon) é o ponto de convergência entre ambas e, por esta altura, a contaminação sonora já se consumou.
I'll Be Your Singer - You'll Be My Song (Ich Bein Dein Sänger, Du Bist Mein Lied) envereda por guitarras acústicas e percussão orgânica e aproxima-se dos territórios trilhados pelos Can. Body e A Book's Blues são dois intróitos que acrescentam bizarria à já hiperactiva toada do álbum, sendo a primeira uma colagem de guitarra, percussão e voz e a segunda um exercício de blues estranhamente convencional.
Als Hätt Ich das Älles Schon Mal Gehesen (As If I Had Seen This All Before) retoma o curso sonâmbulo da viagem (trip?) verde, enaltecendo a paisagem sónica com electrónicas transcendentes. Cosmic Vibration não se afasta do rumo e as guitarras envolvem-nos em ecos vertiginosos, por entre o ritmo e a electrónica fustigantes. Come on People arrasta consigo ecos do rock da West Coast americana, calorosos e vibrantes e a jornada chega ao fim em Wahrheit und Wahrscheinlichkeit (Truth and Probability). Aqui perdem-se quaisquer elos de ligação com a realidade e o tema move-se fora da gravidade, entre vozes fantasmagóricas e absurdas - que poderiam ter sido conjuradas por Ligeti - e electricidade em ebulição. Alucinante, distorcida e desafiante, a peça parece ser um negativo da restante toada do álbum, voltando-nos para uma surreal introspecção.
Die Grüne Reise é, em suma, um dos grandes clássicos da primeira fase do krautrock. Uma obra inovadora, que ainda hoje soa muito à frente do ano em que foi editada (1971) e cuja influência não pode ser desdenhada. Consta, inclusive, que Brian Eno se inspirou nela para a sua própria obra-prima Another Green World, pelo que não faltam razões para dar a Die Grüne Reise o realce merecido.
De salientar igualmente que a produção aqui abordada diz respeito à reedição do disco levada a cabo em 2007. O alinhamento é ligeiramente diferente da primeira edição em vinil, considerando-se, contudo, definitivo. Esta versão remasterizada do álbum apresentou-se acompanhada de um DVD, fazendo jus ao objectivo primário da obra: um filme produzido por estudantes universitários alemães e que permite, finalmente, experienciar Die Grüne Reise em toda a sua plenitude.