25 de julho de 2009
Kosmische Kosmetik VI
Pouco se sabe dos obscuros Gäa (leia-se Gaia, a deusa da mitologia grega que simboliza a Terra). Mas muito esta banda nos legou no seu primeiro e único álbum, o magnífico Auf Der Bahn Zum Uranus. Na vertente do krautrock mais underground e psicadélico, o disco solitário deste agrupamento oriundo da pequena cidade de Saarland é um marco solidamente cravado no rock alemão dos anos 70. Logo a abrir, o solene e fortíssimo Uranus, é um misto de torpor e estranheza, onde o espírito dos omnipresentes Pink Floyd (uma das maiores influências das bandas desta altura) se junta à melancólica austeridade germânica para nos deixar boquiabertos. Após os minutos iniciais, em que uma voz ecoando de um qualquer cockpit de foguetão ricamente decorado para um filme de ficção científica dos anos 50 nos anuncia que entrámos na estrada para Urano, a trip inicia-se. As coordenadas parecem ser dadas de fora para dentro, à medida que o ritmo pulsante e a voz ecoante de Werner Frey nos afogam numa atmosfera sombria e fumarenta. Uma paragem abrupta faz entrar um interlúdio de órgão magistral, ao qual se junta um coro fantasmagórico e distante, que vagueia compassada e deliciosamente, sem noção do tempo, por entre um rítmo incorpóreo, até à regressão da espiral. A guitarra em profunda distorção Hendrixiana e o eco semi-operático da voz afectada precipitam-se sobre nós novamente, terminando o tema em reticências... Segue-se a entrada de inflexões flamencas de Bossa Rustical, que abre as portas a um tema de ritmo quente, quase latino, envolvente e contagiante, especialmente pela fabulosa e virtuosa guitarra de Helmut Heisel. O ambiente enegrece ligeiramente com a toada dolente da bela Tanz mit dem Mond. Melodia espectral e nocturna, mantém a austeridade teutónica da voz associada a um piano jazzístico mas sóbrio, até que surge a primeira vaga explosiva de guitarra, inundando o castelo de areia em construção. Um regresso ao zero, para a música começar dos alicerces, encetar o lento caminho antes traçado e terminar uma vez mais sob a onda eléctrica da guitarra inquieta. Mutter Erde, a próxima canção, igualmente fabulosa, transpira um rock enérgico e extasiado por todos os poros, intercortado com quebras rítmicas para deixar escorrer o suor. Música quente, ao rubro, sem rodriguinhos, que pode comparar-se aos Led Zeppelin ou aos Deep Purple dos primórdios. Segue-se o suave psicadelismo temperado com blues de Welt Im Dunkel. Uma vocalização com inflexões estranhamente Bowiescas assombra o tema, escuro e ébrio, em lenta combustão como papel de fumar. Perto do fim, há uma luz que se acende, distante, mas suficiente para nos despertar do seu embalo quase opiáceo. O álbum chega ao fim com Gäa, mais uma dissertação em torno do blues-rock de flores no cabelo. Guitarra inebriante, laivos contemplativos de flauta e um pouco de scat singing a cozinhar em lume brando durante 7:30 minutos. Não vale a pena falar muito. Pensar, muito menos. Esta fase do álbum é somente para sentir. E quem já estiver embrenhado nestas curvas e contracurvas a caminho de Urano, sentirá nada menos que um prazer imenso, um prazer nostálgico e naïf, do tempo em que hippies como estes alemães acreditavam mesmo na música que faziam transbordar.