21 de julho de 2009

Que farei eu com esta espada?

Faz falta à nação cinéfila o Mestre João César Monteiro. Pelo menos àquela nação que não vive oscilando entre a última produção de Leonel Vieira e a próxima de Fernando Fragata. Um dos maiores expoentes nacionais da corrente vanguardista do Novo Cinema, surgida nos anos 60, César Monteiro sempre trilhou nas suas obras um caminho entre o lírico e o satírico, fazendo por vezes a convergência de ambos. Cineasta experimental e explorador, introduziu, tal como Manoel de Oliveira, o conceito de antropologia visual nas suas ficções, algo que era exclusivamente utilizado em documentários. Este conceito assenta na teoria de que a mais fiel observação do real assenta na imagem, e não na palavra. Aqui residirá a génese das características cenas longas e despojadas de discurso que povoam os filmes do realizador.
A provocação subtil e/ou declarada e a irreverência muito particular de João César Monteiro são outras das suas características mais vincadas. Para ele, nada foi intocável, dedicando-se com especial cuidado a arrasar o Estado e o Clero e a interlúdios panfletários de um certo tipo de sexualidade mais periférica. A obra máxima que retrata este pot-pourri será, certamente, A Trilogia de Deus, composta pelos filmes Recordações da Casa Amarela, A Comédia de Deus e As Bodas de Deus. Escusado será dizer que a trilogia é essencial para quem queira conhecer o cinema português de autor, liberto de amarras. César Monteiro foi descrito inúmeras vezes como realizador incompreendido, ou que faz cinema única e exclusivamente para si próprio, ou que pretende somente escandalizar. Tudo isto bate certo, especialmente para quem assina uma obra como Branca de Neve, que até hoje não se sabe bem se é um filme ou não... Assumidamente criada para espantar espectadores, o que podemos chamar a quem se instala para 75 minutos de escuridão intercortada raramente por céus cinzentos e flashes azuis? Cinéfilo? Curioso? Pessoa cheia de sentido de humor? Intelectualmente pretensioso? Ao realizador não se pode chamar nada ofensivo, porque, vindo de quem veio, isto não é surpresa. E uma obra de arte só existe porque outro alguém a vê, ouve, contempla, toca...
Uma coisa é certa: César Monteiro foi, em vida, tudo menos ignorado. E que mais pode querer um artista senão fugir à indiferença? Personagem polémica, é tão legítimo amá-lo como odiá-lo. E não me recordo de mais ninguém que visse a sétima arte sob esta perspectiva: