O Resto é Ruído, do crítico musical do New York Times Alex Ross, é um dos mais livros sobre música escritos com mais profundidade e seriedade que já tive o prazer de ler. É uma leitura proveitosa e compulsiva, de um tema difícil, restrito e complexo: a música clássica do século XX.
Alex Ross conta uma história do último século, tendo como ponto de partida a música e o período temporal em que ela mais se fragmentou, inovou, radicalizou e popularizou. Desde a quebra de convenções surgida com a audaz atonalidade das obras de Arnold Schoenberg, à contemporaneidade já impregnada de influências recentes e fracturantes de John Adams, O Resto é Ruído é uma obra essencial para quem queira conhecer os meandros da composição erudita dos cem anos que nos antecederam.
Ross consegue magistralmente, e em constantes rasgos de profundo know-how da matéria que disseca, traçar o percurso da música moderna, o porquê das suas convulsões e revoluções e a sua contaminação simbiótica e influente em fenómenos de massas como o rock, a pop e as bandas-sonoras de filmes. Isto sem deixar de lado uma leitura biográfica e de aspectos maioritariamente desconhecidos dos homens que dedicaram a sua vida à arte de criar sons no conturbado e mutante século que passou. É obra; é obra-prima e é a prova palpável que se pode escrever sobre música sem a descaracterizar ou desmistificar, provocando no leitor o desejo e a curiosidade de conhecer aqueles sons, descritos com fascínio e um rigor quase científico. A excelência deste livro tem sido louvada um pouco por todo o lado e vale a pena consultar as suas repercurssões e outros aspectos biográficos do autor em http://www.therestisnoise.com/.
Ao nomear os mais virtuosos e influentes guitarristas de todos os tempos, Phil Manzanera raras vezes vem à baila. É algo injusto pois, mesmo ofuscado por Brian Eno e Bryan Ferry nos inícios dos Roxy Music, Manzanera preenche os discos da banda com o seu estilo elegante, sofisticado e futurista, mas vigoroso quando é necessário puxar dos galões mais ásperos. Desde os anos 70 que o guitarrista anglo-colombiano se dedicou a projectos paralelos sem nunca adandonar a Banda-Mãe, fugas essas que lhe permitiram experimentar outras sonoridades e ser rei e senhor do seu próprio território. Lançou o primeiro álbum a solo, o excelente Diamond Head em 1975 e, no mesmo ano, reuniu um colectivo imbuído do melhor espírito de Canterbury chamado Quiet Sun. O único disco que legaram, Mainstream, é um belo exercício infestado por fusões entre jazz e rock, apelativas e inventivas.
Aproveitando a desmobilização temporária dos Roxy Music em 1976, Manzanera conjurou um colectivo fugaz, os 801, cuja formação embrionária incluiu Brian Eno. Estes, per si, nunca editaram nenhum álbum de estúdio, gravando no tempo apenas a memória de vários concertos de culto. A última concentração, ocorrida no Queen Elizabeth Hall, pode ser escutada no magistral 801 Live.
Com Eno a mover-se nas sombras e os 801 revistos e aumentados como banda-suporte, Phil Manzanera gravou em 1977 um soberbo álbum intitulado Listen Now!. Quase um disco conceptual, Listen Now! debruça-se vagamente sobre a temática muito Orwelliana de viver numa sociedade totalitária, vigilante e opressiva. No entanto, e apesar do pesado mote, a música é maioritariamente suave e superiormente melódica, ao contrário de, por exemplo, a obra-prima 1984, de Hugh Hopper, disco bem mais complexo e assombrado. Leves trejeitos funk aliam-se na perfeição às vocalizações justapostas do tema-título, todas em quase-surdina, numa paranóia contida. A guitarra elegante desponta de quando em vez, nítida mas sem imposições e a canção esvazia-se em parada jazzística. Flight 19 é pop contagiosa abençoada pela guitarra vertiginosa de Manzanera e pela voz do praticamente desconhecido Simon Ainley. No absolutamente divinal Island, as seis cordas transfiguram-se majestosamente, e conjugam-se a uma bateria estratosférica para tornar o instrumental a peça mais bela de todo o álbum. A clássica edição em vinil fecha o lado A com Law and Order, outra pérola pop imaculada e de refrão ideal, se bem que distante e desencantada como todas as canções do disco. E continua a ser magnífico o modo com a guitarra de Manzanera enche o tema sem o sufocar. Pura classe e nada mais...
A segunda parte do álbum principia com Que?, curto surto instrumental que parece homenagear a expressão mais pronunciada pelo célebre criado Manuel da eterna série cómica Fawlty Towers. O teor mais político e circunspecto retorna em City of Light, canção palpitante, dominada pelo baixo alarmista de Billy MacCormick e pela guitarra novamente possuída por efeitos. Initial Speed é outro instrumental, desta feita frenético e tomado de assalto pelo jazz mais salutarmente conspurcado.
Duas canções em tons de cinzento encerram o álbum. Postcard Love evoca a pop mais atmosférica e menos bacoca dos 10cc, cujos membros Kevin Godley e Lol Creme também se juntaram à corte de 16 músicos que ajudaram a construir Listen Now!. That Falling Feeling prolonga e acentua a insular melancolia, provando que Simon Ainley foi a escolha perfeita para dar voz a estas canções em que o Sol ilumina, mas está sempre escondido atrás das nuvens. Phil Manzanera, como sempre, espalha arte e mistério dedilhados tema afora.
Para os coleccionadores, Listen Now! foi reeditado em 2000, contendo três faixas que ficaram de fora da edição original: Rude Awakening, Blue Gray Uniform e Remote Control. As duas primeiras escapam à banalidade graças ao trabalho sempre bem-vindo de Manzanera. A terceira é um bom tema roqueiro, a fazer lembrar os Roxy Music mais edgy de Country Life.
Listen Now! continua a ser um excelente disco para conhecer o universo de Phil Manzanera enquanto cançonetista e virtuoso da guitarra. E esta última é usada de forma especialmente hábil e escorreita, o que faz do mestre um homem inteligente na contenção e sábio no manejo do instrumento, sem nunca o tornar objecto de masturbações egóicas.
Foi atribuído, pelo eminente e respeitável site / rádio online Cotonete o honroso galardão Blog da Semana ao Escrito no Som. Não posso deixar de expressar as minhas palavras de gratidão para com a atenção e o interesse dispensados a este espaço, solitário e artesanal. O incentivo é enorme, a responsabilidade de manter o nível, maior ainda. As expectativas não serão defraudadas. A boa nova pode ser consultada neste local.
No circo muitas vezes inconsequente do chamado rock gótico dos anos 80, os Sisters of Mercy foram o melhor de todos os colectivos. Sempre conseguiram olhar para além do negrume austero e até inflingir a sua imagética de subliminares doses de humor. Andrew Eldritch, eterno pai e mentor do projecto, viu a sua vida a andar para trás no devir do litígio com Wayne Hussey, guitarrista da banda, após o lançamento de First and Last and Always em 1985. O conflito levaria à cisão entre ambos, sendo que Eldritch, sempre mais inteligente, garantiu o uso do nome da banda e forçou Hussey a agrupar-se sob a denominação The Mission. O motivo: The Sisterhood. O objecto: Gift. Ao contrário do que se possa pensar, Gift não é uma dádiva, mas sim a palavra alemã para veneno. Cingindo-se à cadeira de produtor, Andrew Eldritch reuniu Alan Vega (Suicide), Patricia Morrison (Gun Club), Lucas Fox (Motörhead) e James Ray (The MK Ultra) para um dos discos mais genuinamente góticos de sempre e, incrivelmente, um dos mais dançáveis. Deixando para trás o lirismo folhetinesco que se debruça, logicamente, sobre a animosidade e o ressentimento entre as duas ex-Irmãs da Misericórdia, Gift (1986) é um monolito musical fascinante, desolador nas ambiências e mais escuro que uma noite de trovoada. Não há bateria. O ritmo, marcial e opressivo é assegurado por uma série de maquinaria conhecida como Doktor Avalanche. O convite à dança é óbvio, mas o movimento é espectral, descarnado, frio e mecânico. Jihad abre o disco em movimentações de guerrilha, intercortadas por esgares electrónicos das Arábias. Não se consegue ser muito mais gótico que em Colours, oito minutos de queda no abismo, minimais, densos e perfeitos. Um verso repetido em tom gélido, um vácuo pulsante e um embalar demoníaco.
Giving Ground mantém a simplicidade eficaz, debruada a negro, onde se nota a presença flutuante de Alan Vega e dos seus seminais Suicide, na claustrofófica e alienada paisagem urbana, poeticamente feia e industrial. Finland Red, Egypt White é repetitiva como uma rajada de metralhadora e serve de roupagem ideal à declamação do Motörhead Lucas Fox, uma académica descrição do funcionamento da AK-47. A última das longas e arrastadas faixas é Rain From Heaven, uma agonia chuvosa e monocórdica, cântico processional ao qual o sintetizador empresta uma tonalidade ainda mais funesta.
Andrew Eldritch viria a conseguir a sua melhor obra de sempre com os Sisters of Mercy em Floodland, no ano seguinte. Mas nunca conseguiu tingir corações de preto como neste despojado e - aqui o nome ajusta-se perfeitamente - gótico disco.
Gilbert Artman toca piano e fala francês, mas é, acima de tudo, um baterista nato. Preciso quando é preciso, extravasando quando assim lhe é exigido. Músico de escola jazz por essência, fundou no colectivo gaulês Lard Free uma fusão entre esse estilo, o rock e a electrónica mais sedentos de desbravamento. Gilbert Artman's Lard Free, primeiro capítulo oficial destas catanadas musicais, fez-se em 1973 e manifesta-se como um disco arrojado e visionário para a época. A mistura incandescente e totalmente instrumental, umas vezes abrasiva, outras atmosférica, de sonoridades orgânicas com electrónicas, coloca este disco nos píncaros de uma nova onda revigorante da música francesa, que encontraria similitudes nos Heldon ou nos mais freaky Atoll.
...Lard Free inicia a sua lenta invasão mental com Warinobaril, em que a secção rítmica, cadente e impenetrável, se volta de costas para um saxofone em cantus horribilis tal e qual sereia e uma guitarra que parece gritar por soltura. 12 ou 13 Juillet Que Je Sais d'Elle cresce lentamente, invadindo-nos com uma suave paranóia, muito graças ao sintetizador ansiogénico e imparável que penetra os tímpanos em golpes agudos; sem aviso, uma guitarra perigosamente Frippiana enceta uma segunda parte do tema, esquizofrenicamente distinta da primeira, e em que os ritmos mais espaciais do jazz são novamente reis e senhores. Sente-se já aqui o ténue aroma do fugaz movimento Rock in Opposition, variante extrema do avant-garde progressivo e que influenciou grupos altamente recomendáveis, mas dotados de igual dose de saudável insanidade, como os suíços Dèbile Menthol ou os canadianos Miriodor.
Honfleur Écarlate prossegue a eucaristia a Fripp, que aqui dá pelo nome de François Mativet, mas que emula o mestre na perfeição. Lá atrás, o ritmo propositadamente monótono e descarnado parecem antecipar as litografias musicais em miniatura do excelso Another Green World de Brian Eno. Acide Framboise, provavelmente o momento-chave do álbum, abre com um cinematográfico sintetizador que, por mais que o ouça, não me tira da cabeça o belíssimo filme Der Stadt Der Dinge de Wim Wenders... talvez porque o tema é, no seu todo, cinematográfico; talvez porque a música é tão envolvente, entorpecente e enigmática como a própria película. Um contínuo latejar que invoca noites estranhas ou madrugadas fora do sítio...
Livarot Respiration é docemente noctívaga, impregnada de solidão e fumo e levemente claustrofóbica, devido ao pulsar do baixo de Hervé Eyhani que, apesar das subtis nuances, parece nunca projectar-se além do mesmo círculo. Culturez-vous vous-mêmes termina o álbum em tom lúgubre e minimal, quase um assombro dos Kluster e da sua electrónica ancestral.
...Lard Free é um dos discos mais misteriosos que conheço. Após inúmeras audições, a sensação de estranheza e de incompletude mantém-se. É por isso que gosto tanto de regressar a ele para nunca o descobrir. Algo como ser abraçado pela Vénus de Milo...
Kalacakra é um termo da filosofia tântrica que significa algo como Roda do Tempo. É igualmente o nome adoptado por um duo alemão dos primórdios da década de 70 e que não tem nada a ver com a célebre e magnífica decalogia literária de Robert Jordan. Estes Kalacakra praticam uma sonoridade fortemente influenciada pela música indiana, pelas suas ragas e pelos seus mantras. Mais uma pedrada psicadélica sob a forma de música e, em abono da verdade, uma das mais fortes que conheço, o primeiro álbum dos senhores intitula-se apropriadamente Crawling To Lhasa. Percorrido maioritariamente por flautas, congas e cítaras, é um disco circular, relaxante, pegajoso e envolvente como uma serpente. O primeiro tema, um contínuo minimal e hipnótico denominado Naerby Shiras, arrasta-se tribalisticamente e arrasta-nos com ele para uma escuridão iniciática, em que uma voz reptiliana nos sopra ao ouvido ecos sibilinos. O testemunho é passado para a densa e docemente sinistra Jageline. Aos sopros orientais e aos pingos de xilofone junta-se uma voz perturbada, repetitiva, no limiar do depressivo. Surgem à ideia os Amon Düul mais cavernosos.
Os mantras vertiginosos prosseguem com Raga Nº 11. Esta peça desdobra-se em caleidoscópica cadência, parecendo desabrochar continuamente e fazendo perder a noção do tempo à medida que se expande. Um circulo fecha-se para permitir que outro se abra, infinitamente...
Ao quarto tema, September Full Moon, os Kalacakra despem o sari e embarcam numa longa deambulação acústica, em constante planar e colorida a pastel pela flauta sereníssima. Como se os Incredible String Band ou os Forest decidissem evocar Brahma num improviso folk. Acentuando a estranheza geral da obra, a peça seguinte, Arapathos Circle Dance, oferece o protagonismo a uma convoluta harmónica, que, seguindo as tendências anteriores, é igualmente repetitiva e minimal, rasgando a roda do ritmo. A edição original em vinil termina com um blues intoxicado, primeira e única canção do álbum, e que deriva mais do psicadelismo underground alemão, denso e pesado, que da paz tântrica que o iniciou.
A edição em CD de 2001, levada a cabo pela Garden of Delights, editora germânica especialista em resgatar estes tesouros do fundo do tempo, acrescenta duas criações extra e mais recentes a Crawling to Lhasa. A primeira, Vamos, não é de todo uma versão da endiabrada canção dos Pixies, mas sim um upgrade tecnológico do som hipnótico característico da banda. O segundo, Deja Vu (sic), pouco difere desse, não constituíndo cada um deles nada de entusiasmante. Como na maioria das bandas do primórdios do krautrock, parece que a intrusão da electrónica mais sintética e a tentativa de actualização do som para uma colagem às tendências modernas, apenas esmorece o mistério e o extremismo artesanal e belo que as transformou em algo tão especial e único. Quem quiser os Kalacakra de Crawling to Lhasa, que os procure no vinil e sem extras descoloridos. Encontrará o que precisa para satisfazer os seus desejos melómanos mais transcendentes...
Herói do Lo-Fi, Damon Gough iniciou os seus tímidos passos com uma série de EP's nos finais dos anos 90. Como a rusticidade da publicidade boca-a-boca é quase sempre infalível, estas gravações primárias granjearam-lhe um culto precoce. No virar do século, o homem conhecido artisticamente como Badly Drawn Boy é universalmente aclamado por aquele que continua a ser o seu pico criativo: The Hour of Bewilderbeast. Uma pérola da pop contemporânea, impregnada de canções em absoluto estado de graça. Em 3 anos, Gough afasta-se dos territórios mais familiares a Beck ou ao mais demencial de Baby Bird e enfrenta o mundo com arranjos à Van Dyke Parks, reminiscências folk e composições de uma beleza por vezes frágil, mas de um conteúdo memorável. Ouvido do princípio ao fim, o disco parece um exercício de corte e colagem, onde canções se intercalam com curtos interlúdios instrumentais e os mais variados tipos de sons são atirados às melodias. É suposto o álbum reflectir o ciclo de vida de uma relação amorosa, pelo que se compreende a amálgama muitas vezes desordenada mas sempre bela que o afecta. Revela-se sempre mais coração que razão. Da abertura serena e ensolarada de The Shining ao encerramento acústico, informal e acompanhado a passarinhos de Epitaph, passa uma hora de encantamento. Os temas mais despojados penetram como agulhas e só não acertam em quem nunca amou: ouça-se Fall in a River, Camping Next to Water ou o arrebatado Magic in the Air e sonhe-se com a amante perdida ou a amante impossível. E, já que a idealização veio à tona, quem diz que Nick Drake não parece ressuscitar no Outono verde-escuro da magnífica Stone on the Water? Once Around the Block e Pissing in the Wind são dois singles de génio. A primeira, que chega a fazer lembrar Golden Brown dos Stranglers, é igualmente uma valsa dourada, com uma lindíssima melodia de guitarra e uma cantilena que penetra a alma; a segunda inflecte subtilmente pela country mais existencial e embala corações no escuro. Ambos os videoclips são de visualização obrigatória: Um porque enternece, outro (com uma soberba Joan Collins) porque comove. Para completar o ramalhete a um disco já de excepção, há que realçar a energia pulsante de Disillusion e o ribombar cintilante mas circunspecto de Everybody's Stalking. Em suma, o ano 2000 poderia ter vivido sem este disco, mas não teria sido a mesma coisa...
Após vencer o marcante (e meter uma boas notas ao bolso) Mercury Prize logo ao primeiro álbum, Damon Gough não editaria nada até 2002, dedicando esse período à divulgação de The Hour of Bewilderbeast em concertos já clássicos pelo insólito e estrambólico que os revestia.
2002 vê, então, a saída da banda-sonora de About a Boy, filme mediano cuja música é uma das boas razões para o ver. Disco à margem, detém um trunfo infalível no persistente suspiro de Silent Sigh, soberba canção e uma das melhores composições de sempre de Badly Drawn Boy. Muito bons são igualmente Something About a Boy e Donna & Blitzen, sendo que o resto do álbum é irregular, um misto de melodias folk e tímidos ritmos hip-hop aqui e ali.
No final desse ano, sai novo álbum, o segundo oficial. Have You Fed the Fish? é o seu nome e os peixes parecem estar já bem gordos, porque todo o álbum parece ser possuído por uma atmosfera balofa, longe das idiossincrassias deliciosas de The Hour of Bewilderbeast. O disco começa bem, com o tema-título a desvelar-se como um misto do Todd Rundgren mais meloso e do Harry Nilsson mais luminoso. Seguem-se dois temas esquecíveis e outro, fortíssimo: All Possibilities, um update contagiante da soul orquestrada dos anos 70, ritmado e saboroso. O yin-yang acústico-eléctrico de I Was Wrong / You Were Right funciona na perfeição, constituíndo o melhor momento do álbum. How cresce a partir da introversão e é banhada por luzes, violinos e sopros que não conseguem esconder a sua timidez. A partir daqui o combóio parece descarrilar-se, devido ao excesso de produção que tira o prazer solitário que tanto cativa à escuta de Badly Drawn Boy. Talvez a única excepção seja Tickets To You What You Need, tema que tresanda aos Beatles mais dados ao vaudeville e, talvez por isso, nos enlaça no seu amplexo.
Novo álbum surge em 2004, desta feita intitulado One Plus One Is One. Obra bem mais apagada que o seu antecessor, torna-se aborrecida pelo marasmo inerente, salvando-se temas simples de inspiração folk, como Easy Love ou This is That New Song. Summertime in Wintertime parece saída das caves do progressivo de inícios de 70, emulando a flauta de Ian Anderson dos Jethro Tull ou as guitarras em linha recta dos Iron Butterfly. O resto perde-se em arranjos desnecessários e um Damon Gough demasiado perdido em delícias domésticas para sair da sua ostra e correr riscos.
O pior acontece em 2006: Born In The U.K. envereda por um território comercialão e facilitista, pleno de melodias polidas e arranjos inchados comprimidos em canções de 4 minutos. Claro que o disco soa bem, a produção é impecável. Mas soa bem no sentido de uma viagem pela auto-estrada ao som da RFM: Não se passa nada digno de captar a nossa atenção, mas também nada nos distrai verdadeiramente da paisagem. Infelizmente um disco esquecível, traz claramente à ideia que foi feito para seguir o trilho do maior sucesso de vendas de sempre do ídolo de Damon Gough: Bruce Springsteen e o seu Born In The U.S.A.. Mas teria sido bem melhor que o trilho seguido fosse o do superior Nebraska...
Uma esperança parece despontar com o último trabalho de Badly Drawn Boy. Is There Nothing We Could Do?, editado em 2009, traz de volta as ambiências genuinamente melancólicas do seu primeiro álbum e parece ver tenuamente despertos de novo os talentos composicionais do artista. Tratando-se de uma nova banda-sonora e não de um álbum propriamente dito, soa a música inspirada em e não a música para inspirar. De qualquer forma, temas magníficos como o que dá título ao disco, Welcome Me To Your World ou Wider Than a Smile ainda arrepiam e renovam a esperança de Damon Gough nos revolver romanticamente as entranhas como no princípio do milénio. E que saudades de preciosidades como esta: