9 de abril de 2010

Kosmische Kosmetik XI

Kalacakra é um termo da filosofia tântrica que significa algo como Roda do Tempo. É igualmente o nome adoptado por um duo alemão dos primórdios da década de 70 e que não tem nada a ver com a célebre e magnífica decalogia literária de Robert Jordan. Estes Kalacakra praticam uma sonoridade fortemente influenciada pela música indiana, pelas suas ragas e pelos seus mantras. Mais uma pedrada psicadélica sob a forma de música e, em abono da verdade, uma das mais fortes que conheço, o primeiro álbum dos senhores intitula-se apropriadamente Crawling To Lhasa. Percorrido maioritariamente por flautas, congas e cítaras, é um disco circular, relaxante, pegajoso e envolvente como uma serpente. O primeiro tema, um contínuo minimal e hipnótico denominado Naerby Shiras, arrasta-se tribalisticamente e arrasta-nos com ele para uma escuridão iniciática, em que uma voz reptiliana nos sopra ao ouvido ecos sibilinos. O testemunho é passado para a densa e docemente sinistra Jageline. Aos sopros orientais e aos pingos de xilofone junta-se uma voz perturbada, repetitiva, no limiar do depressivo. Surgem à ideia os Amon Düul mais cavernosos.
Os mantras vertiginosos prosseguem com Raga Nº 11. Esta peça desdobra-se em caleidoscópica cadência, parecendo desabrochar continuamente e fazendo perder a noção do tempo à medida que se expande. Um circulo fecha-se para permitir que outro se abra, infinitamente...
Ao quarto tema, September Full Moon, os Kalacakra despem o sari e embarcam numa longa deambulação acústica, em constante planar e colorida a pastel pela flauta sereníssima. Como se os Incredible String Band ou os Forest decidissem evocar Brahma num improviso folk. Acentuando a estranheza geral da obra, a peça seguinte, Arapathos Circle Dance, oferece o protagonismo a uma convoluta harmónica, que, seguindo as tendências anteriores, é igualmente repetitiva e minimal, rasgando a roda do ritmo. A edição original em vinil termina com um blues intoxicado, primeira e única canção do álbum, e que deriva mais do psicadelismo underground alemão, denso e pesado, que da paz tântrica que o iniciou.
A edição em CD de 2001, levada a cabo pela Garden of Delights, editora germânica especialista em resgatar estes tesouros do fundo do tempo, acrescenta duas criações extra e mais recentes a Crawling to Lhasa. A primeira, Vamos, não é de todo uma versão da endiabrada canção dos Pixies, mas sim um upgrade tecnológico do som hipnótico característico da banda. O segundo, Deja Vu (sic), pouco difere desse, não constituíndo cada um deles nada de entusiasmante. Como na maioria das bandas do primórdios do krautrock, parece que a intrusão da electrónica mais sintética e a tentativa de actualização do som para uma colagem às tendências modernas, apenas esmorece o mistério e o extremismo artesanal e belo que as transformou em algo tão especial e único. Quem quiser os Kalacakra de Crawling to Lhasa, que os procure no vinil e sem extras descoloridos. Encontrará o que precisa para satisfazer os seus desejos melómanos mais transcendentes...