17 de abril de 2010

The Fellowship

No circo muitas vezes inconsequente do chamado rock gótico dos anos 80, os Sisters of Mercy foram o melhor de todos os colectivos. Sempre conseguiram olhar para além do negrume austero e até inflingir a sua imagética de subliminares doses de humor. Andrew Eldritch, eterno pai e mentor do projecto, viu a sua vida a andar para trás no devir do litígio com Wayne Hussey, guitarrista da banda, após o lançamento de First and Last and Always em 1985. O conflito levaria à cisão entre ambos, sendo que Eldritch, sempre mais inteligente, garantiu o uso do nome da banda e forçou Hussey a agrupar-se sob a denominação The Mission. O motivo: The Sisterhood. O objecto: Gift. Ao contrário do que se possa pensar, Gift não é uma dádiva, mas sim a palavra alemã para veneno. Cingindo-se à cadeira de produtor, Andrew Eldritch reuniu Alan Vega (Suicide), Patricia Morrison (Gun Club), Lucas Fox (Motörhead) e James Ray (The MK Ultra) para um dos discos mais genuinamente góticos de sempre e, incrivelmente, um dos mais dançáveis. Deixando para trás o lirismo folhetinesco que se debruça, logicamente, sobre a animosidade e o ressentimento entre as duas ex-Irmãs da Misericórdia, Gift (1986) é um monolito musical fascinante, desolador nas ambiências e mais escuro que uma noite de trovoada. Não há bateria. O ritmo, marcial e opressivo é assegurado por uma série de maquinaria conhecida como Doktor Avalanche. O convite à dança é óbvio, mas o movimento é espectral, descarnado, frio e mecânico. Jihad abre o disco em movimentações de guerrilha, intercortadas por esgares electrónicos das Arábias. Não se consegue ser muito mais gótico que em Colours, oito minutos de queda no abismo, minimais, densos e perfeitos. Um verso repetido em tom gélido, um vácuo pulsante e um embalar demoníaco.
Giving Ground mantém a simplicidade eficaz, debruada a negro, onde se nota a presença flutuante de Alan Vega e dos seus seminais Suicide, na claustrofófica e alienada paisagem urbana, poeticamente feia e industrial. Finland Red, Egypt White é repetitiva como uma rajada de metralhadora e serve de roupagem ideal à declamação do Motörhead Lucas Fox, uma académica descrição do funcionamento da AK-47. A última das longas e arrastadas faixas é Rain From Heaven, uma agonia chuvosa e monocórdica, cântico processional ao qual o sintetizador empresta uma tonalidade ainda mais funesta.
Andrew Eldritch viria a conseguir a sua melhor obra de sempre com os Sisters of Mercy em Floodland, no ano seguinte. Mas nunca conseguiu tingir corações de preto como neste despojado e - aqui o nome ajusta-se perfeitamente - gótico disco.