11 de julho de 2010

Dieta Mediterrânica V

O primeiro e último álbum dos Buon Vecchio Charlie, homónimo, abre em clássico formalismo. Um excerto de In the Hall of the Mountain King de Grieg acende o pavio a Venite Giù al Fiume. Mas a chama libertada não se limita a emular a conhecida peça. Ela serve, isso sim, para um genial trabalho de decomposição e fragmentação. O que ao princípio soa como familiar aos nossos ouvidos, é resgatado para paragens remotas, nas asas imensas do poderio de seis inventivos italianos. Aliado ao conclave do progressivo, o calor do jazz inunda este enorme tema, que ainda consegue espaço para uma breve e subtil vocalização. Frenético e arejado, retrógado e arrojado, Venite Giù al Fiume é o exemplo perfeito da qualidade e intensidade do prog-rock levado a cabo pelos transalpinos em inícios de 70.
O disco prossegue com o soberbo e lindíssimo Evviva La Contea Di Lane. Canção perfumada com aromas de folk e floreados de Canterbury, guarda uma flauta nada menos que dulcíssima e invade-nos com a claridade de uma manhã de Verão. Inicia com a brisa de uma aurora morna e termina com o calor abrasador de um Sol a pique. O terceiro tema segue a tendência de muitos discos da época e preenche todo o lado B da edição em vinil. Dividido em cinco partes, All'Uomo Che Raccoglie I Cartoni é o pote de ouro no fim do arco-íris para qualquer entusiasta do rock progressivo. Enlaça-se e desvela-se numa infinita miríade de variações, sorvendo estilos e debitando melodias belíssimas pelo caminho. Todos os instrumentos têm uma palavra a dizer e soltam-na com graça, eloquência e a dose certa de improviso.
A edição em CD de Buon Vecchio Charlie acrescentou-lhe duas faixas extra, qualquer delas ao nível criativo do disco-mãe, mas menos orientadas para a sua homogeneidade progressiva. Rosa é uma sentida e terna balada, moldada em torno de um lacrimoso e solitário refrão e em que os intrumentos quase e só servem de muleta à voz embargada. A um minuto e pouco do fim, emudece a voz e o tema deixa-se levar por um fugaz devaneio jazzístico até se evaporar. Totalmente diferente é a alegre e charmosa Il Guardiano Della Valle, que tanto evoca tonalidades campestres e medievais como poderia servir de canção de protesto a militantes barbudos do Partido Comunista Italiano.
Sem data bem definida de lançamento (as opiniões divergem entre 1971 e 1972), este disco é igualmente algo indefinido, que surge das brumas do tempo para encantar. Indivísivel do rock progressivo, Buon Vecchio Charlie é igualmente uma obra que ultrapassa este nicho, devendo ser olhada como mais um capítulo inesquecível de uma Era de Ouro da música italiana.