28 de agosto de 2010

10 Brancos (Dispersos)

O vinho é tinto, costuma dizer-se. No entanto, nada seria dos enófilos se o branco não existisse. Nem do peixe grelhado. Considerado amiúde o vinho tecnológico, devido ao facto de ser mais trabalhado e depurado, este néctar merece cada vez maior atenção. Por cá, e para além das inclusões e incursões pelas universais Chardonnay e Sauvignon Blanc, não faltam castas excelentes, de Norte a Sul. Tenho um carinho particular pela Antão Vaz. O que talvez explique a supremacia alentejana da curta selecção pessoal que se segue...

1. Pêra Manca 2007 (Alentejo)


2. Esporão Reserva 2008 (Alentejo)


3. Tapada de Coelheiros 2007 (Alentejo)


4. Tapada do Chaves 2008 (Alentejo)


5. Dona Ermelinda 2008 (Terras do Sado)


6. Castello d' Alba 2008 (Douro)


7. Monte da Peceguina 2007 (Alentejo)


8. Cova da Ursa 2007 (Terras do Sado)


9. Portalegre 2007 (Alentejo)


10. Régia Colheita 2007 (Alentejo)

25 de agosto de 2010

Kosmische Kosmetik XVI

No princípio, os Wallenstein davam pelo nome de Blitzkrieg. Blitzkrieg era já o nome de uma banda britânica. O dilema resolveu-se ao primeiro álbum. Os Wallenstein editaram-no em 1972, baptizando-o com a sua abandonada designação.
Blitzkrieg é o disco que assiste à junção entre o krautrock e o rock sinfónico. A prova dos nove tira-se de imediato em Lunetic, mescla frenética de guitarras inflamadas e teclados classicistas. É a sinfonia espacial perfeita. Jürgen Dollase e Bill Barone são a verdadeira deutsche-amerikanische freundschaft, o alemão atacando o órgão como um Bach em fuga para Marte, o americano golpeando a guitarra até a deixar em carne viva. Lunetic dá cabo de qualquer amante do género logo à primeira, por mais calejado que esteja nestas lides.
The Theme retira-nos da rota de colisão com a cintura de asteróides. É uma quase-canção, imersa na doce tepidez dos instrumentos e que nos envolve no aperto suave do seu amplexo. O clímax surge num solo de guitarra imenso e avassalador de Bill Barone, que transforma a dita num paiol de pólvora.
A rota prossegue com Manhattan Project. A excelência dos músicos é inolvidável. Se Dollase e Barone detém a paleta e o pincel que coloram as belíssimas composições, a espinha dorsal rítmica composta pelo baixista holandês Jerry Berkers e pelo baterista germânico Harald Grosskopf alcança momentos de magistral fluidez e complexidade. Atente-se neste terceiro tema e na inebriante cadência que o percorre durante grande parte da sua duração. É algo majestoso e misterioso em simultâneo. O mellotron, arrastado e minimal, agudiza o efeito espacial da peça. Por fim, soltam-se as amarras à guitarra, que faz a música resplandecer e rejubilar antes dos últimos raios do seu ocaso. E é um privilégio poder experienciar tudo isto!
O quarto e último momento do disco chega com Audiences. É mais uma semi-canção, iniciada em tom plácido ao piano, que estoura momentos depois num frenesim minimal e cerebral de instrumentos que marcham alinhados sobre nós. O fim é lento e compassado, trazendo a canção de volta e despedindo-se de nós com a pompa e circunstância de uma cantata lunar.
Antes de reclamar o silêncio, resta dizer que Blitzkrieg é um disco grandioso, extremamente bem tocado e preenchido por momentos absolutamente magistrais.

Kosmische Kosmetik XV

Os segundos iniciais de Morning Sun parecem colocar-nos frente-a-frente com os Can. Mas a aparição de um saxofone aos soluços retira essa ideia. Este é um disco de jazz, um disco de jazz fundido com krautrock. Thirsty Moon, primeiro álbum da banda com o mesmo nome, leva o jazz ao hiperespaço, fazendo-o girar sobre o seu eixo e, com ele, as nossas cabeças. Morning Sun é, passada a primeira ilusão, uma canção que tresanda a progressivo até aos dois minutos e meio de duração, metamorfoseando-se depois numa caldeira musical intensa, com versos repetidos ad nauseam e sustentados por uma base rítmica contagiante.
Love Me é um curto tema, erguido lentamente sobre sopros e órgão, para a meio ganhar asas e rodopiar em círculos estonteantes de guitarra em espasmos de total distorção. A amparar-lhe a queda, surge um sereníssimo saxofone, que o pousa em definitivo no silêncio. Outra peça breve é Rooms Behind Your Mind, plena de agressividade hard-rock, mas exotizada por congas e transgredida pela exuberância de um jazz muito free.
Big City é brilhante, fazendo uma perfeita simbiose entre a cadência hipnótica do krautrock e a espiral fumarenta do jazz. Parece estarmos perante uma jam session entre os Can e os Nucleus, um sonho que nunca se realizou... BIG CITY!, grita entretanto a voz áspera de Harald Konietzko, e o tema perde a sensação de abandono urbano. Transforma-se numa amálmaga de vozes irreais, murmurando palavras irreconhecíveis à nossa volta, enquanto o cantor se fecha sobre si próprio, berrando para não ouvir mais nada. Belíssimo exercício, não aconselhável a paranóicos, Big City desmorona-se num solo de guitarra demolidor que, mesmo assim, não faz calar a indiferente verborreia.
Em linguagem vinílica, o lado B é preenchido por uma única peça, o que acaba por ser o ponto alto do disco. Do alto dos seus mais de 21 minutos de duração, Yellow Sunshine exige tempo e atenção ao ouvinte. E vale a pena cada segundo. Um enfeitiçado e enlevado clarinete, seguido à distância por uma secção rítmica exemplar, coloca-nos de imediato na troposfera. Depois é sempre a subir. Como em todo o tema progressivo que se preze, não faltam contrastes e abruptas variações. Mas o que evita Yellow Sunshine de cair na ratoeira dos clichés é a ausência de pompa e a concentração pura e simples na intensidade da música, que se revira e revolve magnificamente. É a verdadeira ópera cósmica, mergulhada na noite, mas avivada pelo brilho das estrelas. Um tema enorme, intrigante e tão belo quanto labiríntico.
É com cinco faixas que se faz a história do primeiro álbum deste colectivo de Bremen. Originalmente lançado em 1972, foi alvo de reedição em 2006, com a bonus track da praxe. Trata-se de Life is a Joke e tem a sua piada, sem embaraçar ninguém. É um tema rock, mais ou menos a direito, com o habitual quinhão jazzístico, e que demonstra o lado mais directo e menos depurado dos Thirsty Moon. A instrumentação de todos os envolvidos argumenta com firmeza. E assim, dá-se por concluída a presente intervenção. Viva o jazz! Viva o krautrock! Viva o krautjazz (ou o que quer que isso seja)!

Ciências Psicadélicas

Pode haver quem não saiba, mas existe nos Estados Unidos (where else?) uma organização que fomenta e estimula estudos psicadélicos. A sua sigla orienta-nos: M.A.P.S. : Multidisciplinary Association for Psychedelic Studies.
As pesquisas da M.A.P.S. assentam sobretudo nas potencialidades e efeitos que os alucinogéneos desencadeiam na mente e corpo humanos. Avalia-se o uso de drogas psicotrópicas mais ou menos poderosos no alívio de sintomas clínicos associados a maleitas crónicas ou como paliativo em doenças terminais. Discutem-se e revelam-se abertamente os prós e os contras da utilização da marijuana e de outras substâncias psicadélicas (LSD, MDMA, etc.).
Para além da componente médica que paira sobre estas matérias, é possível encontrar igualmente no site da M.A.P.S. uma vasta e interessante bibliografia sobre a descoberta e a evolução das drogas psicadélicas. Podemos encontrar curiosidades culturais dos anos 60, tais como os arquivos da revista Psychedelic Review, disponíveis para consulta exactamente aqui, bem como uma miríade de artigos e obras nesta periférica área. As portas da percepção estão franqueadas para os interessados em http://www.maps.org/.

15 de agosto de 2010

Jazzonautas

Se a escrita fosse jazz, a prosa de Jorge Lima Barreto em Jazzarte 2 seria um disco de Cecil Taylor ou Ornette Coleman. Nesta obra, tão original quanto poética, do doutorado em Musicologia que é também 50% dos Telectu, experimentam-se as palavras em tom de improviso. Escreve-se sobre jazz como se ouve jazz, em sucessões de frases belas, complexas, inventivas e inventadas.
Jazzarte 2 conta uma erudita história desta música, que não é para iniciados, mas sim para quem a conhece e a ama. Os neófitos nesta matéria poderão perder-se nos meandros das páginas como numa das obras mais difíceis das parcerias do autor com Vítor Rua. A cronologia é atípica, a terminologia hermética e a escrita flui em mosaicos que se cruzam e desencontram.
Obra obrigatória e indispensável para a afición jazzística mais intelectual e vanguardista, Jazzarte 2 faz a música ressoar nas nossas cabeças. Apetece pegar num disco de Albert Ayler ou Anthony Braxton para apaziguar a fome de sons livres e agitadores. Abraça igualmente a filosofia do jazz, as suas raízes, o seu propósito, a forma como nos alimenta a existência.
Nas palavras de Rui Neves (outro homem do jazz, cujo programa Jazzosfera na extinta XFM deixou-me eternas saudades) no prefácio à primeira edição que seguro agora nas mãos: "Jazzarte 2 é o mais importante livro sobre jazz que se escreveu em língua portuguesa e a sua tradução impõe-se de imediato." Mais não se pode dizer. Para ler avidamente e direccionado a quem gosta de pensar para além do que lhe é exigido. O jazz é uma língua-franca. Jazzarte 2 documenta-a e exalta-a magistralmente.

14 de agosto de 2010

Trovas das Trevas



A implausível (mas possível) recuperação saudosista dos anos 80 tem varrido quase todas as áreas da pop nos últimos anos. Das genuflexões perante os Human League e Soft Cell ditadas pelo electroclash às regressões freudianas (a memória é mesmo o que aconteceu?) dos exercícios de estilo hipnagógicos, o arty e o kitsch, o belo e o lixo foram levantados da tumba. E não se pode misturar tumba e anos 80 no mesmo post sem falar no movimento gótico. Da mesma forma como estas reminiscências têm sido reavivadas via irreconhecimento e manipulação, assim o breu austero do goth foi transladado com nova mortalha a condizer com o século XXI.
Se existe um projecto interessante e credível nesta vertente, ele dá pelo nome de Zola Jesus. A criação da norte-americana Nina Roza Danilova consegue recuperar do esquecimento nomes como Siouxsie & The Banshees (a influência óbvia), X-Mal Deutschland ou os Cocteau Twins enquanto gatinhavam para fora da caverna.
Desavergonhadamente opressiva e ferida de romantismo negro, a música de Zola Jesus parece harmonizar-se com os tempos actuais. Discos como The Spoils ou Stridulum são ausentes de cor e luz. Emocionam e martirizam. Lembram a adolescência a quem gostava de envergar gabardines na Primavera. Evocam rostos alvos de rapariga e paixões taciturnas. Na noite e sempre na noite, da qual não se quer sair. Desde Siouxsie Sioux por volta de 1984 que não brotava uma dama tão fria e, ao mesmo tempo, tão apelativa...

11 de agosto de 2010

A Marca Amarela IV

O que são os Acid Mothers Temple? No site http://www.acidmothers.com/ são descritos da seguinte forma: "Collective led by Kawabata Makoto. There are currently around 30 members, famous and unknown, musicians, artist, dancers, farmers etc. In order to follow and document their multifarious activities, in 1998 the Acid Mothers Temple family record label was set up. The Acid Mothers Temple & The Melting Paraiso U.F.O. group is just one part of collective's activities". E, das muitas encarnações desta comuna japonesa, são precisamente os Acid Mothers Temple & The Melting Paraiso U.F.O. o objecto a destacar hoje.
É preciso coragem e dedicação para acompanhar a carreira discográfica da banda. São mais de meia centena as gravações editadas desde 1996 até à data. Por entre a catadupa de lançamentos, o ecletismo perdura, mas são flagrantes as influências do psicadelismo mais duro, do space rock mais sci-fi e do improviso em regime freak-out. Basta um fugaz vislumbre de alguns dos títulos do colectivo para confirmar as homenagens: Monster of the Universe; Does the Cosmic Shepherd Dream of Electric Tapirs?; Absolutely Freak Out "Zap Your Mind!".
Preparemos, então, os tímpanos para uma das obras mais emblemáticas dos Acid Mothers em todas as suas manifestações: o monstruoso Electric Heavyland, de 2002. O fantasma de Hendrix paira, desde logo, no nome, mas o disco é um maciço apocalíptico que transcende o deus das seis cordas. Irrompem das colunas eflúvios de guitarra, improvisos diabólicos, ecos da Detroit proto-punk e alucinogéneos em abundância.
Atomic Rotary Grinding God é uma gigantesca roda em chamas, disparando chispas em todas as direcções. Encontra-se acoplada a Quicksilver Machine Head e ambas são um monstro bicéfalo, uma encruzilhada onde acontece o rendez-vous entre o krautrock mais vulcânico e os Stooges de Funhouse. E não há neurónio que não fique chamuscado perante semelhante simbiose...
A radical e ululante vocalista Cotton Casino (que faz Yoko Ono parecer Susan Boyle) estende o tapete vermelho a Loved and Confused, um vácuo demencial incinerado por guitarras drone e electrónicas espaciais. São 17 minutos esmagadores e gargantuanos, um dos mais pesados grooves que já ouvi.
No limiar da eternidade que parece ter já passado, desponta Phantom of Galactic Magnum. Se o nome parece um híbrido entre os títulos palavrosos dos Tangerine Dream e os Yes, a música abate-se sobre nós como uma torre de som a implodir. Algures entre o psicadelismo mais insano e o ruído puro, este tema é a perfeita súmula da viagem cósmica. Um querido amigo portuense contou-me uma história curiosa aquando da passagem da banda pel' O Meu Mercedes É Maior Que O Teu: no término do concerto, o guitarrista e líder Kawabata Makoto pousou o instrumento, abandonou o recinto e foi sentar-se à beira do Douro, envolto em silêncio. Após ouvir Electric Heavyland, é provável que o silêncio nunca mais seja o mesmo. Assim parece cumprir-se o desígnio do colectivo nipónico: The freakout group for the 21st' century...

7 de agosto de 2010

Bureau B

A editora germânica Bureau B dedica-se à nobre e pouco lucrativa arte de divulgar e reeditar discos da segunda linha do Krautrock, merecendo destaque algumas pérolas da mítica Sky Records. Esta segunda linha não padece de inferior qualidade, somente não figura no panteão das obras mais conhecidas e laureadas.
A casa de Hamburgo tem vindo a resgatar da obscuridade gravações belíssimas dos Cluster e dos seus mentores (o melódico Hans-Joachim Roedelius e o experimental Dieter Moebius). Lançou há pouco tempo o mais recente ataque dos Faust. Tem investido na recuperação de bandas pós-punk alemãs pouco conhecidas das massas, mas altamente recomendáveis, como The 39 Clocks ou Din A Testbild. Pelo meio, uma pitada de curiosidades e bizarrias para encher chouriços.
Em http://www.bureau-b.com/ podem seguir-se as movimentações hamburguesas, conhecer um pouco mais a fundo as edições e abrir os cordões à bolsa.