Os segundos iniciais de
Morning Sun parecem colocar-nos frente-a-frente com os Can. Mas a aparição de um saxofone aos soluços retira essa ideia. Este é um disco de
jazz, um disco de
jazz fundido com
krautrock.
Thirsty Moon, primeiro álbum da banda com o mesmo nome, leva o
jazz ao hiperespaço, fazendo-o girar sobre o seu eixo e, com ele, as nossas cabeças.
Morning Sun é, passada a primeira ilusão, uma canção que tresanda a progressivo até aos dois minutos e meio de duração, metamorfoseando-se depois numa caldeira musical intensa, com versos repetidos
ad nauseam e sustentados por uma base rítmica contagiante.
Love Me é um curto tema, erguido lentamente sobre sopros e órgão, para a meio ganhar asas e rodopiar em círculos estonteantes de guitarra em espasmos de total distorção. A amparar-lhe a queda, surge um sereníssimo saxofone, que o pousa em definitivo no silêncio. Outra peça breve é Rooms Behind Your Mind, plena de agressividade hard-rock, mas exotizada por congas e transgredida pela exuberância de um jazz muito free.
Big City é brilhante, fazendo uma perfeita simbiose entre a cadência hipnótica do krautrock e a espiral fumarenta do jazz. Parece estarmos perante uma jam session entre os Can e os Nucleus, um sonho que nunca se realizou... BIG CITY!, grita entretanto a voz áspera de Harald Konietzko, e o tema perde a sensação de abandono urbano. Transforma-se numa amálmaga de vozes irreais, murmurando palavras irreconhecíveis à nossa volta, enquanto o cantor se fecha sobre si próprio, berrando para não ouvir mais nada. Belíssimo exercício, não aconselhável a paranóicos, Big City desmorona-se num solo de guitarra demolidor que, mesmo assim, não faz calar a indiferente verborreia.
Em linguagem vinílica, o lado B é preenchido por uma única peça, o que acaba por ser o ponto alto do disco. Do alto dos seus mais de 21 minutos de duração, Yellow Sunshine exige tempo e atenção ao ouvinte. E vale a pena cada segundo. Um enfeitiçado e enlevado clarinete, seguido à distância por uma secção rítmica exemplar, coloca-nos de imediato na troposfera. Depois é sempre a subir. Como em todo o tema progressivo que se preze, não faltam contrastes e abruptas variações. Mas o que evita Yellow Sunshine de cair na ratoeira dos clichés é a ausência de pompa e a concentração pura e simples na intensidade da música, que se revira e revolve magnificamente. É a verdadeira ópera cósmica, mergulhada na noite, mas avivada pelo brilho das estrelas. Um tema enorme, intrigante e tão belo quanto labiríntico.
É com cinco faixas que se faz a história do primeiro álbum deste colectivo de Bremen. Originalmente lançado em 1972, foi alvo de reedição em 2006, com a bonus track da praxe. Trata-se de Life is a Joke e tem a sua piada, sem embaraçar ninguém. É um tema rock, mais ou menos a direito, com o habitual quinhão jazzístico, e que demonstra o lado mais directo e menos depurado dos Thirsty Moon. A instrumentação de todos os envolvidos argumenta com firmeza. E assim, dá-se por concluída a presente intervenção. Viva o jazz! Viva o krautrock! Viva o krautjazz (ou o que quer que isso seja)!