27 de março de 2011

Future Past


O revivalismo electrónico não mostra indícios de parar. Surgem cada vez mais regularmente projectos que desenterram e devolvem à vida sintetizadores mumificados e sonoridades arcaicas. Um dos mais recentes e interessantes chama-se Giant Claw e é o produto solitário de Keith Rankin, membro honorário da excelente webzine Tiny Mix Tapes. Algures entre as paisagens cibernéticas dos Oneohtrix Point Never e as densas florestas electrónicas dos primeiros Cluster, o recentemente editado Midnight Murder é um solilóquio sintético que tanto nos transporta para jogos de computador dos anos 80 (Big Heat) como nos revolve o cérebro com melodias multicoloridas e infantis (Midnight Chew). Especial destaque para a serenidade minimal transformada em sobressalto de Parallax Border e para a cavalgada espacial de I Know I'm Like a Ghost. Ambos assentariam que nem uma luva nos filmes que Stanley Kubrick nunca fez. Visualmente, o projecto Giant Claw revela-se igualmente interessante na sua miscelânea retro-futurista, que floresce exemplarmente neste tema - e lembra Philip Glass em modo sci-fi...


Alegrem-se agora os amantes da kosmische musik! Rejubilem os tiffosi da electrónica vintage! Em pleno ano 2011 chega um disco capaz de esmagar e enternecer os adeptos da velha escola dos anos 70 e princípios de 80. Chama-se Primitive Neural Pathways e é a mais recente criação de Steve Moore, americano responsável pelo disco revival dos Lovelock e por 50% dos igualmente dançáveis - mas sombrios - Zombi.
Steve Moore tem o poder de assinar um álbum condenado a ser alvo de perseguição e abdução. Um jardim das delícias espacial e sedutor, assente em vórtices melódicos e pulsantes e pleno de ambiências voadoras não-identificadas. Claro que o nome Oneohtrix Point Never vem à baila (Daniel Lopatin é o principal culpado pelo resgate destes eflúvios), mas a influência notória vem de Edgar Froese e dos Tangerine Dream. As reminiscências do melhor Jean-Michel Jarre, antes das namoradas top model e dos espectáculos de luz mais caros que o PIB lusitano (ou seja, dos tempos de Oxygène), são igualmente notórias.
É essa súmula da mais épica e meditativa electrónica europeia que faz de Primitive Neural Pathways um objecto tão belo e especial. Ao contrário do supracitado projecto Giant Claw, Steve Moore capta o sentido melódico em detrimento das abstracções. Daí a latente semelhança com o Jarre de 1976 ou com os Tangerine Dream mais acessíveis de Force Majeure ou Hyperborea. Peças como Orogenous Zones e C Beams remetem para a sensibilidade melódica do francês; o tema-título, Feel the Difference e 248 Years levam-nos às travessias cósmicas dos alemães. Aliás, se os Tangerine Dream lançassem um disco assim neste momento, seria considerado um milagre. E tudo é cozinhado na contemporaneidade, fazendo do álbum um genuíno produto de 2011. Um dos grandes discos de electrónica dos últimos tempos, muito graças ao espírito intemporal que o consome, Primitive Neural Pathways possui o condão de nos retirar deste mundo durante mais de meia-hora. Pode não parecer assim tanto, mas vale muito a pena ser passageiro desta odisseia.

Os dois álbuns acima dissecados não foram lançados em formatos convencionais. Midnight Murder foi apenas editado em cassette e Primitive Neural Pathways em vinil. Mas os seus criadores foram uns mãos-largas: Keith Rankin disponibiliza todas as gravações do projecto Giant Claw neste local. O disco de Steve Moore pode ser escutado, na íntegra, aqui. Não deixa de ser curioso que duas das obras mais retro-futuristas do ano sejam lançadas em formatos retro-elitistas. Uma provável reacção ao facto da música ser cada vez menos uma arte e cada vez mais um produto...