6 de fevereiro de 2012

O Abraço da Noite

A noite cai e os mistérios adensam-se. As públicas virtudes cedem aos vícios privados. O que dantes era inócuo  torna-se assustador após ser tomado pelas sombras. As ruas esvaziam-se, tornando-se corredores fantasmagóricos a céu aberto. O único calor provém do néon despersonalizado. Entre-se num carro e acenda-se um cigarro. Conduza-se sem destino pelas artérias nuas da cidade nocturna. Olhe-se de soslaio para portas abertas que dão para um vácuo de luz vermelha; para luzes azuis que banham apartamentos incógnitos. Mergulhe-se no escuro, sem outra companhia que não seja um som que nos molde e verga à sua alienante desolação urbana: o som dos Bohren & der Club of Gore e do seu Sunset Mission (2000).
Aqueles que antes fervilhavam de energia em grupos hardcore alemães, fecharam-se no casulo de um jazz negríssimo, que percorre ruas desconfiadas rumo ao bar mais fumarento e inacessível da nossa fértil imaginação. Nos dois primeiros discos da banda, Gore Motel e Midnight Radio, foi possível ouvir guitarras. A partir daqui, emergiu um quarteto de saxofone, piano, baixo e bateria, a tocar jazz como se fosse doom metal. Denso como basalto e escuro como uma noite em que a Lua se limitou a ser voyeur oculta por um manto de nuvens carregadas, Sunset Mission coloca a atmosfera de Mullholand Drive na lugubridade de Blade Runner. Peças longas arrastam-se pela noite interminável e opressiva. Uma noite soturna, mas igualmente sedutora, feita de olhos que se fixam em câmara lenta e vultos que se insinuam na escuridão protectora. De Prowler a Dead End Angels, passando por Midnight Walker ou Nightwolf, as diferenças são poucas, uma discreta soma de subtilezas laborada para um todo de ambiências arrastadas mas pungentes. Um jazz noir que convida à vadiagem solitária fora de horas, fora de portas, à introspecção que se encontra no fundo de um copo de whisky e no aproximar da chama a um cigarro adormecido. Um trago mais profundo e é provável que a languidez entorpecente da música faça o Diabo soprar ao ouvido a sua língua sibilina e o que foi introspecção passe a ser tentação... O pecado não mora ao lado. Mora aqui.