Os discos de Natal são vistos, por norma, como obras menores. Feitas no intuito de encaixar mais uns cobres ou desencadear um sentimentalismo foleiro. Este dogma tem fundamento quando nos deparamos com aberrações tais como o disco natalício de Billy Idol. Mas é discutível se for aplicado a uma obra mais consistente como Christmas, de Chris Isaak.
Se existe um disco de Natal incontornável em termos da qualidade da música e dos seus intérpretes, esse disco é The Bells of Dublin dos Chieftains, datado de 1991. O lendário colectivo irlandês - o mais famoso e aclamado da música tradicional da Ilha Esmeralda - concilia um conjunto de temas alusivos à época, intemporais e místicos. E congrega igualmente alguns nomes sonantes da música popular para a sua interpretação.
Elvis Costello dá voz ao vincadamente celta St. Stephen's Day Murders; Marianne Faithfull despe o manto de bruxa e canta para embalar em I Saw Three Ships a Sailing; Jackson Browne presenteia-nos com uma rendição plangente do belíssimo The Rebel Jesus. O recatado The Wexford Carol toma proporções devocionais na voz de Nanci Griffith e Rickie Lee Jones entrega-se de alma e coração a O Holy Night.
O que sobra (e é imenso e riquíssimo) é Chieftains da melhor safra. Carols, jigs, reels e outras fantasias celtas mescladas com as incursões que os decanos irlandeses sempre tomaram por músicas de outras paragens, da música tradicional francesa de Il Est Né/Ca Berger ao recolhimento contemplativo de A Breton Carol (cantada em gaélico). A ambiência conjura noites frias, mas aquecidas por lareiras e aconchego humano. Por whiskey e boas memórias, de cores, cheiros e sabores eternos. Noites intermináveis que se prolongam para dias luminosos e cheios, em que a esperança parece regressar, nem que seja por momentos. A execução é mágica, envolvente e penetrante. E é da noite para o dia que The Bells of Dublin se projecta. O anúncio festivo dos doze sinos centenários da Catedral de Christchurch prolonga-se pela escuridão fria, de melodias ricas mas essência pobre, e termina num amanhecer resplandecente de alegria e comunhão. Não sei se é o melhor disco de Natal de sempre mas, depois deste, não tive vontade de ouvir nenhum outro, para não correr o risco de quebrar o encanto.