Eric Dolphy foi um dos maiores inovadores do jazz da década de 60. Multi-instrumentista exímio, dividido entre o saxofone, a flauta e o clarinete, impulsionou o género para a vanguarda durante a sua curta existência. Dolphy faleceu aos 36 anos, no auge do seu talento e após a edição daquela que muitos consideram a sua obra máxima: Out To Lunch!
Foi apenas o quinto disco lançado durante esse esparso tempo de vida. Estávamos em 1964 e outras obras marcantes fizeram desse ano um período rico para o jazz. Crescent de John Coltrane, Speak No Evil de Wayne Shorter ou Spiritual Unity de Albert Ayler, são alguns dos clássicos de um estilo musical que começava a afastar-se do seu estatuto de entretenimento para angariar cores da paleta do experimentalismo. Cada vez mais próximas das estruturas avant-garde da música clássica contemporânea que da propulsão do swing, as novas tendências jazzísticas apontavam armas à mente em detrimento do corpo.
Out To Lunch! combina com mestria física e metafísica. O quinteto de Dolphy (com especial destaque para os acólitos Freddie Hubbard e Bobby Hutcherson, respectivamente no trompete e no xilofone) alcança momentos mais transcendentes e cerebrais sem nunca trocar a paixão pela razão. Abundam os solos e as mudanças de textura, as variações de ritmo e a complexidade melódica. Caminhamos pela fronteira entre um jazz que ainda é bebop mas que já tem muito de free. Hat and Beard é vertiginoso e desconjunta-se para se unir de novo. O tema-título assemelha-se a uma marcha jazzística entrecortada por quebras de tempo, ritmos angulares e melodias dissonantes. Something Sweet, Something Tender é o tema lento flagrante do disco, mas a estranheza da estrutura e rasgos de atonalidade não deixam que a ternura e a doçura reinem em absoluto. Gazzelloni faz jus ao virtuosismo de Dolphy na flauta mas vincando as possibilidades experimentais e sónicas que este retira do instrumento. E Straight Up and Down tem um groove tão alienígena que quase poderíamos apelidá-la experimentalismo emocional.
Não é à toa que Out To Lunch! é considerado uma das obras-primas do jazz de vanguarda. É um disco desafiante e surpreendente ainda hoje. Os puristas do género poderão ficar de cabelos em pé com o arrojo e o ludismo com que a música é tratada, mas os amantes da arte mais transgressiva e progressista deliciar-se-ão continuamente.