31 de dezembro de 2014

Film Noir



De todos os nomes surgidos do movimento rock gótico, os Sisters of Mercy foram sempre os mais sólidos e credíveis. Por não se limitar a ficar pendurado na sua caverna de pernas para o ar, o grupo britânico imiscuiu-se no romantismo, no existencialismo e até na geopolítica, conseguindo deixar transparecer uma saudável dose de humor negro, pouco perceptível através da austeridade estética, mas real.
Wake - In Concert at the Royal Albert Hall retrata a banda ao vivo nos seus quase primórdios e na ressaca da edição de First and Last and Always, o primeiro álbum. Estávamos em 1985 e o sucesso e a improvável visibilidade surgidos posteriormente pareciam longínquos e até imponderáveis.
O concerto documenta os Sisters of Mercy na posse das suas plenas faculdades e estranhos poderes. Muito fumo e pouca luz não significam muita parra e pouca uva e o rigor denso e formal que o colectivo sempre prezou nas suas actuações ao vivo surge aqui em todo o seu nebuloso e hipnótico esplendor. O palco como local de comunhão onde nos podemos perder mas também encontrar.
O rock dançável, escuro e narcótico dos Sisters of Mercy atingia aqui o seu grau máximo de pureza. Do barítono angustiado de Andrew Eldritch ao baterista imaginário chamado Doktor Avalanche - na realidade uma caixa de ritmos programada -, o culto underground arreganha feliz os seus dentes vampirescos. De confortos instalados do negrume como Marian ou Walk Away a temas menos imediatos como Body and Soul ou o tremendo Emma, este concerto é uma agradável descida às sombras. De um tempo musical tão estranho e soturno que, por vezes, duvidamos se terá mesmo existido.