Tudo aconteceu em 1971. A estranha orquestra que ficou imortalizada como Centipede foi idealizada por Keith Tippett, pianista e uma das figuras de proa do novo jazz britânico. Para a criação e execução do irrepetível épico Septober Energy, Tippett agregou à sua volta 54 músicos, a crème de la crème da cena jazz e do rock progressivo de terras de Sua Majestade.
O propósito do projecto é insondável, mas tudo leva a crer que o seu móbil envolvia a liberdade artística total. Septober Energy é uma obra que desafia interpretações. Parece cozinhado ao momento, mas revela camadas de complexa inspiração. Soa esquelético umas vezes, bombástico outras, mas nunca menos que ambicioso.
O improviso é déspota ao longo das quatro partes (movimentos) de Septober Energy, sendo maioritariamente no jazz que se encontra ancorado. Nomes máximos da vanguarda inglesa do género, como Robert Wyatt e Elton Dean (dos Soft Machine), ou Ian Carr e Karl Jenkins (dos Nucleus), congregam-se aqui, regurgitando as suas pulsões mais criativas e informais. As vozes que pontualmente se ouvem, em vagos devaneios, são regidas pela esposa de Keith Tippeth, Julie. A sua lógica é igualmente críptica. Os restantes instrumentistas presentes foram recrutados entre alunos da London School of Music. Elementos primordiais do experimentalismo fundem-se à lava abrasiva dos sopros e ritmos do jazz mais livre e incandescente, criando uma permanente montanha-russa sonora, entre devaneios disformes e vagas esmagadoras, cuja audácia e excesso não seriam certamente possíveis actualmente.
Contudo, em 1971, a materialização de música assente na liberdade extrema estava na ordem do dia e, com o genial guitarrista dos King Crimson - Robert Fripp - sentado na mesa de produção, este delírio colectivo pôde expandir asas e voar sem destino. Consta que, ao vivo, os Centipede chegaram a albergar cem músicos no mesmo palco, gerando um autêntico tsunami sónico. Nunca os poderemos ver. Mas, como nas melhores obras de arte, ouvindo podemos sonhar com as ondas gigantes geradas por esta orquestra da beleza e do caos.