Todavia, ditou o destino que os Quiet Sun teriam direito a uma segunda vida, evitando que se tornassem uma eterna e obscura nota de rodapé do rock britãnico dos anos 70. Em 1975, aproveitando um hiato na carreira dos Roxy Music, Phil Manzanera lançou-se na edição do seu primeiro álbum em nome próprio - Diamond Head - e, pelo meio, congregou os seus velhos companheiros universitários para um ritual de ressurreição enérgico e fortemente improvisado intitulado Mainstream. Os quatro acabaram por expandir-se, incluindo Ian MacCormick em erráticas vocalizações e assegurando o vanguardista de todas as épocas Brian Eno no refinamento das atmosferas e na aplicação das suas estratégias oblíquas. A gravação final assemelha-se vagamente a um cruzamento entre os Soft Machine mais espaciais e os Velvet Underground mais experimentais.
É, não obstante, notório que a sonoridade base dos Quiet Sun bebe maioritariamente do rock progressivo do seu tempo, embora com laivos de inspiração jazzística e exalando o complexo perfume da cena de Canterbury. O elemento mais fresco e irreverente é, indubitavelmente, a guitarra de Phil Manzanera. A mesma serpenteia, rasga e fustiga ao longo de Mainstream. Apesar de mais prosaica, a secção rítmica fornece a base de sustentação para as intrincadas tapeçarias sonoras de Manzanera e os teclados pingam gotas etéreas ao longo da obra. Tome-se como exemplo Sol Caliente, o tema que abre o disco. Ofuscante, vibrante e abrasado pela fuzz guitar, move-se em espirais elípticas no sistema nervoso do ouvinte, libertando estranhas ondas rítmicas que não motivam a dança mas acordam o corpo. O clímax da peça acaba por fundir-se com a seguinte, Trumpets With Motherhood, que mais não é que o seu lento esfumaçar.
Igualmente físico e alucinante é Mummy Was an Asteroid, Daddy Was a Small Non-Stick Kitchen Utensil. O surrealismo do nome não é defraudado pela música, caleidoscópica travessia, feita de curvas e contracurvas, que se afasta progressivamente da terra firme até desaparecer no vácuo. O contraponto entre a guitarra e as teclas é deveras sublime e o tema arrasta-nos para a sua vertigem cósmica, sem hipóteses de libertação.
Trot mantém-nos em suspensão, com um piano em regime de sonata sonâmbula, uma guitarra incandescente e a complexidade rítmica típica da escola de Canterbury. O final chega com Rongwrong. Para manter a toada levemente inusitada que percorre o disco, este é o único tema vocalizado e a voz pertence ao baterista. Composição menos feérica que as anteriores, engloba uma série de fantasias instrumentais e devaneia ao longo de 10 minutos em regime stream of consciousness. Pelo meio ficaram Bargain Classics - momento de pujante e virtuosa intensidade, em que a guitarra e a bateria se degladiam com galhardia pela vitória - e R.F.D., peça flutuante e sombria, dominada pelas teclas e onde a presença de Brian Eno é mais notória.
Mainstream foi reeditado em 2011, contendo quatro extras - essencialmente sobras das sessões de gravação - e uma entrevista com a banda. A sonoridade desta revisitação da obra é de sobremaneira aconselhável e vinca exemplarmente a qualidade e intuição interpretativas dos músicos executantes. Não deixa de ser notável constatar que Mainstream foi gravado em poucos dias, sendo que a maioria dos temas resulta de captações logo ao primeiro take. Em tal estado de graça e inspiração, os Quiet Sun conseguiram o que muitos outros demoram anos - ou obras - a alcançar.