30 de outubro de 2010

Kosmische Kosmetik XVII

Pouco se sabe dos misteriosos E.M.A.K., sigla que resume Elektronische Musik Aus Köln. Pioneiros na definição da música electrónica moderna, este quarteto de Colónia transpira influências óbvias dos Kraftwerk e dos Cluster mais convencionais, acrescentando-lhes uma cristalina abstracção e um cinzentismo melódico tipicamente pós-punk.
Datado de 1982 e surgindo num período em que os grandes nomes da grande música alemã se desvaneciam ou entravam em lenta retracção, o primeiro álbum dos E.M.A.K. é um excelente e influente tomo da melhor sonoridade electrónica surgida no país da sauerkraut. E não há muito a dizer perante o génio dos dois temas que começam por brotar desta obra. Duas micro-sinfonias electrónicas, frias na estrutura mas contagiantes na forma, a primeira Alhara e a segunda Filmmusik. Se a primeira serpenteia à nossa volta, aprisionando-nos numa espiral de arabescos digitais, a segunda transfigura o clássico ritmo motorik dos Neu! ou Harmonia para encher o espaço circundante e assumir-se, desde logo, como o melhor tema do disco.
Ohne Titel é um belíssimo e visionário tema, um pedaço de electrónica futurista, tão dançável como meditativa, curto na duração, mas persistente na intenção. Reminiscências reformuladas das lendárias gravações de Brian Eno com os Cluster e do mesmo com David Byrne surgem, respectivamente, em Biela e em Was Kann Der Papst Da Sagen. Wenn Mr. Reagan Es Will é o único tema cantado do álbum, uma monolítica e paranóica ode à ameaça nuclear latente na alvorada dos anos 80. Uma certa desolação nocturna e urbana estrangula a maioria dos temas do disco, tornando-o ainda mais sombrio e anónimo. Gewitterluft e Schlammgang são assombrados por espectros industriais e solitária alienação. Tanz In Den Himmel é o protótipo da Neue Deutsche Welle, a nova vaga da música alemã, preenchida por ritmos robóticos e fraseados tão belos como melancolicamente gélidos. Por último, Bote Des Herbst abandona-nos na periferia opressiva e invernosa de uma noite sem destino. Este tema é como apanhar o último metro para casa e assistir, sozinho, à rotação sucessiva de estações desprovidas de vida. Se Ian Curtis fosse vivo, teria aplaudido de pé. Os New Order tê-lo-ão feito, se o escutaram. Sim, porque não há como escapar à imagética muito Factory da capa minimalista e artesanal do álbum.
O primeiro disco dos E.M.A.K. surge numa altura em que influências germânicas e britânicas convergiam, em bandas emblemáticas como os D.A.F., Cabaret Voltaire ou Throbbing Gristle. A partir daqui, começou a ser esculpida a melhor e mais inteligente música embebida em electrónica que se ramificou até à actualidade. E, seguindo a compulsão namedropping das linhas acima, basta citar nomes menos recorrentes mas de inegável qualidade como Schneider TM, Schlammpeitziger ou Kreidler para comprovar o legado dos E.M.A.K. e deste extraordinário disco. Merecedor, indubitável e independentemente da data em que viu a luz, de um lugar no panteão da mais selecta e refinada kosmische musik...