12 de janeiro de 2012

Kosmische Kosmetik XXXI

Uma história do Homem, da sua evolução e crescimento tecnológico. Eis o conceito de Planet of Man, o único legado deixado pelo projecto Code III. O objectivo é ambicioso, mas nada despropositado para a Alemanha de 1974. Klaus Schulze é o nome que sobressai nesta obra, mas foi o recatado Manfred Schunke, um animal de estúdio, o seu verdadeiro arquitecto.
Para levar a cabo este empreendimento, Schunke congregou, para além de Schulze no papel menos convencional de baterista, três amigos que se incumbiram das vozes e de ministrar os mais variados instrumentos. Da guitarra acústica à tambura indiana, passando pela omnipresente electrónica espacial, Planet of Man flui, elegíaco e cerrado, no seu próprio universo.
A narrativa sonora é sequencial e principia com Formations/The Genesis. A alegoria é perfeita, partindo de uma amálgama de electrónica cósmica e caótica, lentamente ordenada, ciclicamente depurada. Estranhas vozes ecoam e o espaço sem vida cede aos sons de uma natureza edénica e incorrupta. Ouvem-se pássaros, o mar, e uma guitarra entra de mansinho. Flauta e voz harmonizam-se depois para criar um todo envolvente e ensopado em psicadelismo folk. Segue-se Dawn of an Era, de paladar menos doce após o idílio que a precedeu e assente num tribalismo primário e denso. É notório o retrato das primeiras civilizações, talhado com rudeza, batuques com arritmia e cantos ritualísticos. Transparece uma aura de comunicação elementar com o sagrado.
O álbum termina com outra dupla: Countdown/Phoenix Rising. Somos recebidos por uma raga, hipnótica, conjugada a vozes que entram e saem sucessivamente, colocando a desordem sobre a serenidade. Uma mudança brusca e somos banhados numa espécie de dub cósmico, primeiro a meio-gás e depois acelerado. Uma voz feminina entoa palavras ininteligíveis, uma voz masculina esmaga-a sem aviso. O que se ouve nestes minutos é indecifrável e quase indescritível. Chamemos-lhe apenas fabuloso. Se pretende ser o som de uma sociedade à beira do desmoronamento, consegue-o brilhantemente.
Outra clivagem súbita e o disco mergulha num silêncio escuro. As vozes que antes se ouviam com limpidez, surgem agora lamacentas, imersas num pântano sonoro. Aos poucos, vislumbra-se um despertar electrónico, um coração que bate frouxamente. E o disco termina com a simbólica fénix, majestosamente erguida, como o final de uma ópera cósmica.
Depois deste monumento, o nome Code III desvaneceu-se e Planet of Man singrou como disco de culto, um dos maiores marcos da kosmische musik mais aventureira e radical. É hoje considerado uma raridade, extremamente difícil de encontrar, mas imprescindível de possuir. Aos corajosos, recomendam-se headphones e ausência de luz para o ouvir.