O nome Riccardo Zappa leva, inconscientemente, a uma busca mental pela árvore genealógica que o ligará forçosamente a Frank Zappa. Mas o italiano e o americano apenas comungam do amor pela guitarra. E nem nisso são unânimes, pois o Zappa gringo foi um virtuoso da guitarra eléctrica e o Zappa transalpino é um virtuoso indefectível da guitarra acústica.
Separado assim o trigo do joio, nada como apreciar em toda a sua plenitude o primeiro álbum deste artesão das seis cordas, ainda em actividade. Celestion, disco de 1977, surgido em pleno declínio da fase de ouro do Rock Progressivo italiano, é uma obra nada decadente e onde classicismo e modernismo se unem. Totalmente instrumental mas não totalmente um solilóquio, abrange com enorme originalidade as diversas facetas e possibilidades da guitarra acústica. Frammenti é o trecho mais expansivo de todo o álbum. Uma peça que transcende os dez minutos e que expõe uma guitarra pejada de efeitos, que não encobrem a mestria. A tradição italiana de melodias a roçar o divino sem serem necessariamente sacarinas, impõe-se. Um intermezzo congrega a banda que acompanha Zappa e transforma-se numa estranha excursão rock, liderada por uma guitarra acústica electrizante. Ao rumar para o destino, Frammenti volta a ser clássica, a guitarra a soar como o sopro de muitas eras.Tre e Quattro Quarti enceta a mesma viagem que o tema anterior, mas encurta os passos. A vertente clássica transborda com intenção redobrada, assim como a reviravolta rock acentua a energia. Uma bizarra ponte entre arcaísmo e modernismo. Segue-se o tema-título, a confirmar que estamos perante um disco de grande beleza e não apenas um disco de um grande guitarrista. Ela, a guitarra, soa aqui como um objecto surreal, a raiar o electrónico. Quando a bruma se dissipa e deixa vislumbrar os traços do rock, ficamos perante um imaginativo exercício, em que o baixo gordo e a bateria algo funky administram um raro exotismo à hegemonia da guitarra.
Sonata Mediterranea é uma brisa morna e suave de folk italiana, que apetece ouvir junto ao Lago di Garda ou nas costas da Sardenha. Na companhia certa, pode ter efeitos afrodisíacos...
A última cascata de guitarra materializa-se em Mirage. A toada é a mesma que ficou para trás. Acrescente-se uns lampejos que trazem à memória o mais pastoral de Mike Oldfield e poderíamos estar numa versão transalpina da cena de Canterbury.
Riccardo Zappa é visto hoje em dia como um dos maiores (e melhores) guitarristas clássicos de Itália. Infelizmente, criatividade e virtuosismo parece terem seguido caminhos separados e a sua música há muito que não deslumbra como nas primeiras obras. Celestion pode, assim, ser considerado um dos últimos estertores da música de superlativa qualidade produzida na Itália dos anos 70. Devia haver um museu para exibi-la e conservá-la.