A união faz a força. Quando os raios atravessam o ar em alturas de tempestade, provocam o fenómeno conhecido como trovoada. A colisão entre Archie Shepp e Philly Joe Jones, captada em Paris no ano da graça de 1969, é um trovão ribombante e invasivo. O primeiro é (ainda) um saxofonista de excepção, um dos pioneiros do free jazz e do cruzamento entre este género e o tribalismo que o infectou nos anos 60. É dono de discos fabulosos desta era como The Music of Ju-Ju e The Way Ahead. O segundo foi um criativo baterista, que fez a escola primária no bebop e se licenciou em jazz modal. Constam do seu currículo memoráveis colaborações com Miles Davis ou, como líder, Showcase.
O encontro foi, já se sabe, bombástico. Shepp apresenta-se sozinho, debatendo-se no vórtice intenso do sexteto de Jones. O ilustre colectivo, composto, entre outros, por luminárias como o violinista Leroy Jenkins e o saxofonista Anthony Braxton, desarruma convenções e passeia pelo caos.
Archie Shepp & Philly Joe Jones é jazz livre na sua mais pura forma. Uma imensidão sensorial, abrasadora como o inferno. Um quadro impressionista vermelho sobre fundo preto. Uma ferida aberta.
Desçamos ao cenário, quente e fumarento, onde tudo se passa. Vozes possessas, gritos vagos, desencadeiam a entrada apocalítica de Shepp, logo seguido por Jones. Segue-se uma avalanche de quase 20 minutos chamada The Lowlands em que a liberdade é total. Chicago Beau interrompe pontualmente o cataclísmico idílio com récitas inflamadas, primárias. A música avança em linha recta, violentamente inebriante, e sentimo-nos como se estivéssemos a escutar tudo numa sauna. A peça pretende reflectir a vida dos negros no sul dos Estados Unidos e o sentimento de cerco e opressão é magistral, o que enfatiza o poder da libertação interior.
A segunda e última composição do disco divide-se em duas partes e intitula-se Howling in the Silence. A parte a), Raynes or Thunders começa por intuir um falso swing antes de resvalar para a abstracção intensa do improviso emocional. Chicago Beau irrompe novamente, qual pregador atormentado, e o violino tresmalhado de Leroy Jenkins acrescenta uma atmosfera de pântano sulista ao tema. A parte b), Julio's Song, inflecte para o trilho dos blues, nomeando a harmónica de Julio Finn que aqui se faz ouvir como um eco remoto do delta do Mississippi. A música gira em transumância, percorrendo os quatro cantos do jazz e arrasta-nos com ela para um estado de vadiagem mental. O disco que começou aos berros acaba por esvair-se num último estertor de harmónica e contrabaixo, sussurrando don't try this at home...
Archie Shepp & Philly Joe Jones é uma das experiências mais limite do jazz, qualquer que seja o ramo da sua árvore genealógica. Para a posterioridade ficou uma gravação crua e pouco depurada, um som visceral e escuro, que num momento ataca e no outro seduz. Diamante jazz por lapidar...
A segunda e última composição do disco divide-se em duas partes e intitula-se Howling in the Silence. A parte a), Raynes or Thunders começa por intuir um falso swing antes de resvalar para a abstracção intensa do improviso emocional. Chicago Beau irrompe novamente, qual pregador atormentado, e o violino tresmalhado de Leroy Jenkins acrescenta uma atmosfera de pântano sulista ao tema. A parte b), Julio's Song, inflecte para o trilho dos blues, nomeando a harmónica de Julio Finn que aqui se faz ouvir como um eco remoto do delta do Mississippi. A música gira em transumância, percorrendo os quatro cantos do jazz e arrasta-nos com ela para um estado de vadiagem mental. O disco que começou aos berros acaba por esvair-se num último estertor de harmónica e contrabaixo, sussurrando don't try this at home...
Archie Shepp & Philly Joe Jones é uma das experiências mais limite do jazz, qualquer que seja o ramo da sua árvore genealógica. Para a posterioridade ficou uma gravação crua e pouco depurada, um som visceral e escuro, que num momento ataca e no outro seduz. Diamante jazz por lapidar...