3 de junho de 2011

Gene Dominante

Os Byrds foram pródigos na disseminação de grandes músicos norte-americanos. Roger McGuinn, David Crosby e Gram Parsons fizeram parte do seu concentrado sonoro, um dos mais ilustres da história. Mas é o seu génio mais obscuro e a sua melhor obra que falam mais alto hoje. Gene Clark - o verdadeiro cosmic cowboy - e o honorável No Other.
Imediatamente antecedido por dois excelentes álbuns (Roadmaster e o magnífico White Light) em que country rock e folk se misturavam com ingredientes mais elaborados e arranjos de subtil bom gosto, este registo de 1974 é o lado perfeito do triângulo. Ainda um disco que encontra no country rock e na folk a sua força motriz, No Other acaba por transcender os géneros e de ser, a espaços, inclassificável. Uma obra maior em todos os sentidos, em que arranjos quase barrocos dão as mãos a canções imensamente tristes e belas. Strenght of Strings conjuga harmonias vocais a la Byrds com uma orquestração de reminiscências orientais. Como em quase todo o disco, a voz de Clark quase dói ao ouvir. E o resultado é de uma melancolia tão transcendental que não admira que o tema fosse recuperado em Filigree & Shadow pelos 4AD all-stars This Mortal Coil. Céus negros abraçam o voo de Silver Raven, espectral e expansiva balada que cruza Neil Young e a atmosfera gótica e poética de Poe ou Hawthorne.
Tal como a beleza, a inspiração parece nunca esgotar-se ao longo de No Other. A quantidade de estranhos efeitos, de diferentes instrumentos e de overdubs propaga-se ao longo do disco. Se essa inspiração é ditada por substância ilícitas nunca saberemos, mas o que é certo é que influências country e folk raramente soaram tão etéreas e narcóticas como em Some Misunderstanding ou From a Silver Phial. E o arrasador tema-título tem cicatrizes de psicadelismo ao longo da sua pele. Os momentos mais límpidos e convencionais surgem nos temas que evocam o passado musical de Clark: Life's Greatest Fool e The True One. Ambos seriam a banda-sonora perfeita para ressoar entre as paredes de um honky-tonk sofisticado. A terminar, Lady of the North é outra estupenda balada barroca, romantismo de pradaria em estado puro. O álbum desvanece-se com o cowboy cósmico a desaparecer rumo ao pôr-do-sol...
É mais que recomendável a edição remasterizada de No Other que saiu em 2003. A soberba produção do disco ganha imenso com as novas roupagens. Gene Clark, infelizmente já falecido, pode ter uma certeza esteja onde estiver: There will be No Other like him.