10 de junho de 2011

Kosmische Kosmetik XXV

O triumvirato (este termo é altamente persecutório...) Manuel Göttsching, Klaus Schulze e Hartmut Enke formou os Ash Ra Tempel em 1971. É nesse mesmo ano que surge a primeira criação elaborada por estas lendas do krautrock. Ash Ra Tempel, o álbum, é uma das maiores odisseias sonoras produzidas na R.F.A. liberta de constrições e perdida nos braços da transgressão.
Mais que um disco, esta obra de estreia é uma experiência auditiva massiva, sem rédeas e sem gravidade, nascida no vácuo e nele perecida. Não vale a pena falar em composições. Elas não existem. O que subsiste de Ash Ra Tempel é a espontaneidade, o experimentalismo e descompromisso que abraçam os seus lados A e B e cujo efeito é demolidor.
Amboss entra em cena como um big bang electrónico expandido pela bateria enorme de Klaus Schulze. Quando a inevitável explosão ocorre, destroços musicais espalham poeira cósmica por todo o lado, deixando Schulze a pulverizar o vazio com o seu ritmo impressionante e Göttsching a navegar por entre os detritos com a sua guitarra indomável e infinita. Ouvido bem alto, Amboss esmaga sem contemplações. Exige exercícios de aquecimento e de posterior relaxamento. Uma monstruosidade sónica, impiedosa e rarefeita...
Traummaschine é o reflexo invertido do seu antecessor. Contido e fechado, abandona a toada space jam para enclausurar-se na sua câmara mortuária mal iluminada. Basta ver a capa e o inlay de Ash Ra Tempel para conceber este imaginário. A pirâmide entreabre a sua porta e leva-nos pelo seu labirinto. No centro mais recôndito está o sarcófago. No seu interior está a química sublime de guitarra e percurssão, inalantes como vapor, inebriantes como incenso sagrado. Este tema assemelha-se a uma união entre céus e terra, caminha pelo limbo da realidade sem nunca deixar as trevas, sem nunca perder a luz de vista.
O imaginário da civilização mais fascinante da Antiguidade cruza-se com o space rock à moda germânica. O produto da experiência resulta em psicadelismo atmosférico com sussurros de blues intergalácticos. Poderia bem ser a banda sonora de Eram os Deuses Astronautas?, livro algo kitsch de Erich von Däniken muito popular na altura e que conjugava a Ufologia à evolução da espécie humana e das religiões. Silogismos à parte, entremos pois no escuro labirinto de Ash Ra Tempel. Tochas não incluídas...